Tecnologia, Inovação e Empreendedorismo Social
Por que ouvimos tanto sobre inovação, tecnologia e empreendedorismo sociais? Essa foi uma das perguntas que a palestra ministrada pela coordenadora de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia da Agência de Inovação do IFRJ, Fernanda Lefevre, tentou responder durante a Rio Innovation Week.
“Tudo social, inovação, tecnologia e empreendedorismo, é a mesma coisa? Esses termos sobre os quais temos tanto ouvido falar, não são exatamente a mesma coisa, embora às vezes a gente os escute como sinônimos. A tecnologia social está muito ligada ao conceito de Economia Solidária. As iniciativas da tecnologia social são auto gestionadas, ou seja, são cooperativas, associações. E neste tipo de conceito, a participação popular é muito importante. Inclusive tem uma valorização do saber tradicional e a prática da tecnologia social está muito relacionada com a interação com as comunidades, com os beneficiários daquele tipo de tecnologia”, explicou Fernanda.
Ainda de acordo com a palestrante, a inovação social é um conceito guarda-chuva, bem amplo, que engloba mais as empresas, os negócios sociais não lucrativos ou os negócios híbridos. “Atualmente, ela está sendo muito discutida e muito utilizada, até em políticas públicas por ter uma convergência com os objetivos do desenvolvimento sustentável. Tanto que nós vemos hoje em dia muitos editais, muitas políticas públicas relacionadas à inovação social. E ela tem um ponto em comum com a tecnologia social que é essa questão da coparticipação e da coautoria. Para os pesquisadores dessa área, as ideias são construções coletivas”, explicou, dizendo ainda que o empreendedorismo social é a prática desses dois conceitos: “É um híbrido da lógica empresarial com os objetivos sociais. É mais orientado para as causas e missões do que para o lucro. Começa com a demanda social e os empreendedores sociais são os protagonistas dessa ação”, completou Fernanda, dizendo que todos eles têm em comum atender as demandas sociais.
Mas o que esses conceitos têm a ver com os Institutos Federais? Os IFs ficam no centro de todos esses conceitos. “Como a gente viu, atender demandas sociais tem muito a ver com o que a gente faz. A nossa finalidade legal é a pesquisa aplicada, é o empreendedorismo, é o cooperativismo, desenvolvimento local. Isso tudo está na nossa lei de criação. E através dessas metodologias a gente consegue alcançar essas finalidades, esses objetivos. Muitas vezes vemos que os projetos de Extensão, por exemplo, estão muito ligados aos problemas e demandas da localidade na qual o campus está inserido. Além disso, somos caracterizados pela nossa capilaridade: estamos em 600 municípios do Brasil e chegamos em lugares que a universidade não chega, usando esses recursos para atender às demandas sociais”, pontuou Lefevre.
Fernanda também deu alguns exemplos e mostrou casos bem sucedidos de inovação social, como o Favela Inteligente, da Faperj, ou o de cisternas, do governo federal. E falou um pouco sobre propriedade intelectual na inovação social, dando o exemplo do Projeto Licuri, do IFBA e levantando o questionamento “É incongruente falar de propriedade intelectual na inovação social?”: “Existe um problema de comunicação entre esses dois mundos. O pessoal da tecnologia e inovação social vê a propriedade intelectual como algo que bloqueia, enquanto eles querem fazer uma tecnologia e inovação social livres, pois do que adiantaria fazer algo para beneficiar o máximo de pessoas possíveis e ir lá e bloquear com a propriedade intelectual? Mas acho que não é bem assim. Podemos ver as coisas de outra maneira: a PI pode ser nosso ‘guarda-chuva’ aberto. Se não protegermos a propriedade intelectual e ficarmos com o guarda-chuva fechado, vamos nos molhar. É uma questão de proteção, em casos por exemplo em que descobre-se ou desenvolve-se um produto e, sem a PI, outra empresa pode utilizar o seu trabalho e a sua pesquisa para desenvolver produtos ou soluções que ela vai registrar e passar a ganhar muito dinheiro com aquilo, ao invés de usar para o que o pesquisador inicialmente pensou ser ideal”, explicou.
Case - João Cavalcante, estudante do Cefet/RJ, falou em seguida sobre o Projeto Aurora, ligado à Enactus (uma organização mundial sem fins lucrativos, presente em 37 países, que torna universitários em líderes do futuro, através da promoção da ação empreendedora).
O Projeto Aurora tem como propósito inserir e incluir pessoas trans e travestis no mercado de trabalho, através de uma trilha de empregabilidade a fim de desenvolver o autoconhecimento profissional e marketing pessoal. Desse modo, potencializam suas próprias competências e aumentam as oportunidades de contratação em empresas transfriendly.
De acordo com dados da apresentação do projeto, cerca de 0,02% das pessoas trans estão na universidade, 72% não possuem ensino médio e 56% não possuem o ensino fundamental. Somente 5% de pessoas trans possuem carteira de trabalho assinada, enquanto 90% está na prostituição. Devido ao alto índice de preconceito existente no Brasil, os jovens trans costumam deixar as escolas a partir dos 13 anos (segundo a Antra), levando a uma taxa de 82% de evasão escolar. “Essa situação aumenta a vulnerabilidade dessa população e favorece as altas taxas de violência que ela sofre, deixando-a mais marginalizada na sociedade e levando-a à prostituição, contribuindo para o aumento dos índices de mortalidade. A fim de fazer a ponte entre as pessoas trans participantes do projeto, os futuros colaboradores e as empresas, nós observamos as demandas do mercado de trabalho, visando dar ao nosso público-alvo as capacitações ideais para supri-las. Além disso, oferecemos instruções para os processos seletivos e um banco para cadastro dos currículos”, explicou João.
Mas a preocupação com a capacidade da empresa de receber e acolher pessoas trans em seu quadro também é um foco do projeto. João explicou que é oferecida consultoria e capacitação também para a empresa e seus colaboradores para, somente após ter um ambiente adequado, oferecer o banco de currículos para a empresa. “Evidências mostram que empresas que são constituídas por equipes de direção mais inclusiva obtêm um aumento de cerca de 19% de suas receitas, obtendo ainda mais vantagem competitiva, visto que as companhias com times plurais têm seus desempenho 57% melhores do que a indústria em geral. Além disso, a inclusão também proporciona melhor qualidade de vida aos beneficiados, que terão seus direitos devidamente garantidos”, disse.